A
Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) manteve decisão do
Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) que trancou ação penal contra a
sócia administradora de um colégio, denunciada com base no artigo 297 do
Código Penal (falsificação ou alteração de documento público).
Segundo o processo, ela não fez as devidas anotações na carteira de trabalho
de uma professora. O reconhecimento do vínculo empregatício ocorreu por
meio de sentença proferida por juiz trabalhista, que determinou que
fossem feitas as anotações e os pagamentos devidos.
A Turma, seguindo o voto do relator,
ministro Marco Aurélio Bellizze, entendeu que a atitude da
administradora retrata típico ilícito trabalhista, sem nenhuma nuance
que demande a intervenção do direito penal, pois não houve demonstração
de que ela pretendesse burlar a fé pública ou a previdência social.
Forma e substância
O Ministério Público (MP) recorreu ao
STJ contra decisão do TJSP, que entendeu que a omissão de registro na
carteira de trabalho não altera sua forma, substância e inteireza, mas
apenas constitui ilícito trabalhista, nos termos do artigo 47 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).
No
recurso especial, o MP sustentou negativa de vigência ao artigo 297,
parágrafo 4º, do Código Penal, que trata da falsificação de documento
público e da alteração de documento público verdadeiro. De acordo com
este parágrafo, é crime omitir, em documentos que gerem efeitos perante a
previdência social, nome do segurado e seus dados pessoais, a remuneração e a vigência do contrato de trabalho ou de prestação de serviços.
Dolo não configurado
Ao analisar a questão, Marco Aurélio
Bellizze destacou que a conduta imputada à sócia do colégio se refere à
contratação de professora como prestadora de serviço autônoma. Contudo, a Justiça do Trabalho reconheceu o vínculo empregatício.
Para o ministro, embora de forma
equivocada, a relação entabulada entre as partes era de cunho cível,
portanto não se exigia, num primeiro momento, a anotação na carteira de
trabalho. “Com a decisão definitiva da Justiça do Trabalho, a recorrida
fez as devidas anotações e pagou os valores devidos, não se
configurando, a meu ver, o dolo necessário ao preenchimento do tipo
penal”, disse ele, observando que processos trabalhistas dessa natureza
muitas vezes se revestem de alta complexidade.
Bellizze
comentou que, na jurisprudência do STJ, a simples omissão de anotação
de contrato na carteira de trabalho já preenche o tipo penal descrito no
parágrafo 4º do artigo 297 do Código Penal. “Contudo”, acrescentou o
ministro, “é imprescindível que a conduta preencha não apenas a
tipicidade formal, mas antes e principalmente a tipicidade material.
Indispensável, portanto, a demonstração do dolo de falso e da efetiva
possibilidade de vulneração à fé pública.”
Exigência do tipo penal
“O tipo penal de falso, quer por ação
quer por omissão, deve ser apto a iludir a percepção de outrem. A
conduta imputada à recorrida não se mostrou suficiente a gerar
consequências outras além de um processo trabalhista”, continuou o
relator, para quem não houve efetiva vulneração do bem jurídico tutelado
pela lei – a fé pública – nem ficou provado de forma cabal que a ré
pretendesse alterar ideologicamente a realidade.
“O direito penal só deve ser invocado
quando os demais ramos do direito forem insuficientes para proteger os
bens considerados importantes para a vida em sociedade. Assim, para
socorrer-se ao direito penal, é necessário que a conduta desborde de uma
simples omissão. Imprescindível, a meu ver, que se demonstre o real
dolo do autor em burlar a fé pública e a instituição da previdência
social”, afirmou Bellizze.
De acordo com o relator, “a melhor
interpretação a ser dada ao artigo 297, parágrafo 4º, do Código Penal
deveria passar necessariamente pela efetiva inserção de dados na
carteira de trabalho, com a omissão de informação juridicamente
relevante, demonstrando-se, da mesma forma, o dolo do agente em falsear a
verdade, configurando efetiva hipótese de falsidade ideológica, o que a
tutela penal visa coibir”. (Processo: REsp 1252635).